Terça-feira, 29 de Abril de 2008
O tango Inacabado - III

    

“ ... quema en una hoguera todo mi querer
 

Por una cabeza 
todas las locuras 
su boca que besa 
borra la tristeza, 
calma la amargura. ”

   

  

  

      (...)

 

      Ambos arfam. Pela surdina dum compasso hesitam. O complicado emaranhado dos dois corpos que se confundem fica preso no instante. Ele não larga a sua estreita cintura, não deixa de a pressionar contra si, corpo com corpo, olhares firmes. Ela não baixa a perna que maliciosamente apoia na coxa dele, não deixa de pressionar os seios dentro do vestido justo contra os peitorais dele que a leve roupa de quente Janeiro deixa antever, peito com peito, posições firmes.
      Uma finíssima linha de suor escorre por entre as têmporas dele, contornando a linha do maxilar com uma sombra de barba mal aparada por uma lâmina romba, descendo pelo pescoço grosso até se perder pelo colarinho desfeito, por baixo da semi-aberta camisa negra. A caixa torácica dela sobe e desce, arfante o decote generoso sobe e desce, ora pressionando mais o companheiro ora aliviando o toque sem que, contudo, este deixe de se impor, sobe e desce ao ritmo do burburinho do bordel semi-lotado. O cansaço dos experimentados dançarinos não chega para justificar o bater acelerado do coração que os faz estremecer, a respiração ofegante que suplica por oxigénio, o rubor das suas faces, os olhos brilhantes num desejo mal contido, o aclive de temperatura que exige ainda com mais urgência a subida da saia dela e o desapertar dum botão mais da camisa dele.

  

          (...)

 

                              by Sophia

 

música:  Por una cabeza – Carlos Gardel

 (http://youtube.com/watch?v=Oi566Y4FBLA) (Instrumental)



publicado por **** às 23:07
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Sábado, 26 de Abril de 2008
O tango Inacabado - II

    

Querer
Dentro del corazón
Sin pudor, sin razon
Con el fuego de la pasion

  

Y volar ”

   

  

  

      (...)

 

      Tudo o resto perde o significado para as duas almas que se unem num íntimo e exclusivo jogo de sedução. Medem-se, desafiam-se, põe-se à prova. Tocam-se, acariciam-se, subjugam-se à música. Dilui-se a noção do tempo, o imaculado compasso dos segundos, num perfeito ritmo pulsante no ar. Esbate-se a sala que os envolve, as caras que os olham e os corpos que dançam por inércia, num rodopio de dois seres cujas tonalidades se baralham. Dissolve-se o fumo acre do tabaco dos homens ao balcão num extasiante perfume da música, numa fragrância que embebe os dançarinos. Atenua-se o tinir desequilibrado dos copos no tabuleiro do jovem empregado e o hispânico burburinho das velhas conversas emaranhadas, num sublime colóquio entre cordas e foles.
      O tango chega ao ansiado auge num agressivo ímpeto de força, treme o ar lascivo, movem-se os músicos voluptuosos, enleia-se o par lúbrico. Atinge-se o apogeu das notas, o êxtase dos passos, o cume das emoções. Culmina, sustem, estafa, amaina, cessa. Ainda pairam algumas livres vibrações das cordas do velho e desafinado piano de cauda, meros frutos do toque macio dos martelos comandados pelos dedos finos do pianista. Rarefeitas, sem qualquer outro afagar das teclas gastas, ecoam pela caixa de ressonância, pela sala de duvidosa acústica, pelos ouvintes ébrios de sons e, em segundos, o tango acaba.

  

          (...)

 

                              by Sophia

 

música:  Querer (tango de “Alegria” do Cirque Du Soleil)

 (http://youtube.com/watch?v=7bsalWK9_UY)

 



publicado por **** às 10:42
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Quarta-feira, 23 de Abril de 2008
O tango Inacabado - I

    

“ Buenos Aires, cuando lejos me vi
sólo hallaba consuelo
en las notas de un tango dulzón
que lloraba el bandoneón.


(...) cuando lloró mi corazón
escuchando tu nostálgica canción. ”

   

  

  

      Num dos prostíbulos dos obscuros barrios do norte de Buenos Aires, sob uma luz amarelada, dança-se um já avançado tango.

   

      A um canto, um duo de violinos desafia-se, numa vibrante discussão entre as cordas de tripa. Ao centro, dois seres movem-se como um uno, numa ágil conversa entre corpos. Os primeiros, muito direitos, com a perna direita recuada e com o cintado instrumento sobre o ombro oposto, fazem oscilar o arco em movimentos febris, bailando também eles. Ao som das estridentes notas que se escapam das profundezas do corpo dos instrumentos pelos elaborados efes e dos timbres mais aveludados que acompanham o seu murmúrio, o sangue latino da parelha de dançarinos fervilha e alimenta a dança, os cheiros dos corpos misturam-se e confundem-se, as peles doiradas pelo mesmo sol argentino tocam-se e insinuam-se. As suas pernas movem-se com uma destreza incomparável, com uma agressividade latente e cadência bélica. Numa contrastante pausada intimidade, os seus troncos traçam no ar movimentos lentamente graciosos. Os dançarinos ora se aproximam ora se afastam, numa melodia entre a lenta melancolia e a ardente paixão. A música ora acalma ora acelera, num bailado entre o luto do lamento e a chama da conquista.
  

          (...)

                              by Sophia

 

música: La canción de Buenos Aires – Carlos Gardel
 (
http://www.youtube.com/watch?v=j4rpK5lCO0U&feature=related)



publicado por **** às 22:30
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Domingo, 13 de Abril de 2008
in 6 words...

  

     

Uma óptima proposta da Lazy Cat

   

 A memory in 6 words...

Well... 

 

I used to...

 

 

Feel your smell

over my hair...

    

   

 

   

" If I'd only knew that
     days were slipping past (...)

  I hardly recognized the girl you are today "

 

música: Lost - Michael Bublé

http://youtube.com/watch?v=7X5cZC5U6dM )



publicado por **** às 22:42
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Sexta-feira, 4 de Abril de 2008
Antiquitera (XIV) - Epílogo

 

     “Brinco com o anel rodando-o no anelar e adivinhando as inscrições que o breu não me deixa vislumbrar. O alinhamento dos planetas havia-me levado a Ta-netjeru, a “Terra dos Deuses”, fazendo-me embrenhar, a austral, nas águas do Nilo, quase até chegar a margens núbias. Num acto de requintada ironia, os astros haviam eleito uma noite em que a abóbada celeste se velara com um manto de densa bruma, passando num passo cuidadoso pelo Nectanebo, a sul do Templo de Ísis, e pelos dois enormes pórticos em “V” na semi-obscuridade. A primeira das seis cascatas lembrava a sua proximidade, com um ruído constante que criava a sensação de, mesmo aqui na ilha de Filae, as minúsculas gotinhas de humidade se fazerem sentir na pele, gelando-me. Dois pesados archotes assinalavam o primeiro pilone, iluminando em conjunto o imenso espelho de água que acrescentava no seu reflexo um pouco de magia à desértica fachada do templo.

     Abeirei-me da sua superfície, mirando-me. Uma vida havia passado – havíamos percorrido o mundo, mostrando nos mais restritos círculos o engenho que havia ficado sem outro nome senão esse, envolvendo-nos em demandas científicas, conhecendo gentes em cada porto; tínhamos sofrido um pouco, sorrido um tanto e, sobretudo, havíamo-nos amado demais; fôramos companheiros, cúmplices e amantes até à sua morte – mas a minha face mal tinha sido tocada pelo tempo. Aparentemente partia como tinha conhecido Hiparco naquela noite em Alexandria, levando o mesmo anel no dedo, o astrolábio, aperfeiçoado, dentro da bolsa e o cabelo claro preso num gancho de âmbar e prata. Não havia sequer trazido o mecanismo, tinha-o doado aos sábios de Rhodes. Contudo, levava no olhar um novo sentimento que não deixaria jamais. Um familiar clarão iluminou a noite. Encaminhei-me vagarosamente para lá.

      Teria saudades.”

 

           Sophia

 

 
     Pouco antes da Páscoa do ano de 1900, uma tempestade desviou de sua rota um barco grego de pescadores de esponjas, fazendo-o chegar à pequena ilha de Antiquitera, a meio caminho entre o Peloponeso e Creta. Quando mergulharam a sessenta e um metros de profundidade, encontraram os restos de um navio romano que havia naufragado por volta do ano 65 aC. Durante ano e meio, pioneiros da arqueologia submarina recuperaram esculturas de bronze e mármore, ânforas e uma miríade de pequenos objectos. Enquanto examinava os despojos em 1902, Valerios Stais, director do Museu Arqueológico de Atenas, descobriu a máquina, em elevado estado de degradação. O aparelho, sofisticadíssimo para a época em que foi construído, constitui uma das maiores maravilhas tecnológicas de toda a história da humanidade.

 

      V.A.D.

 

 
V.A.D. e Sophia em Antiquitera

Imagem: Mecanismo (IV) (http://www.newyorker.com/images/2007/05/14/p465/070514_antikythera01_p465.jpg )

 
 

 
“Who dares to love forever? 
When love must die
 
But touch my tears with your lips
Touch my world with your fingertips (…)
 
And we can love forever
Forever is our today (…)

 
Who waits forever anyway?”

 
música: Who Wants To Live Forever - Queen (http://youtube.com/watch?v=Zo52T7uKOJU)

  

 

 

 Tomando a liberdade de me citar:

"Findara a tarefa que nos juntara, mas nascera algo mais"

 

Só te tenho a agradecer V.A.D. ...

 

     

 



publicado por **** às 15:00
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Quinta-feira, 3 de Abril de 2008
Antiquitera (XIII)

 

   “Calo-me. Fica só o som do pausado bater do coração e o enérgico palrar das aves que anuncia o entardecer. O sol já ia baixo, a oeste, iluminando agora o banco. Ambos havíamos viajado por horas pelo meu passado – mais longe do que Hiparco alguma vez teria sonhado ir, mais longe do que eu pensaria vir a levar alguém. Contara-lhe que no Ragnarok me haviam afastado do meu povo, expulso duma terra que habitava há tanto que poderiam chamar sua, que havia sido a guardiã do saber de gerações, tão almejado pelos invasores, e que me haviam deixado somente um anel com inscrições sobre um alinhamento planetário, uma pista para um resgate que perdera importância à medida que a construção do mecanismo que o permitiria singrava. Ele dá-me um beijo terno e devolve-me o Astrolábio, pedindo num sussurro novamente quente que o ensine a olhar as estrelas.

    Findara a tarefa que nos juntara, mas nascera algo mais…”

 

Sophia   
  
 

   “O cronógrafo, em contagem regressiva, registava quarenta e oito unidades de tempo até à abertura do portal, o buraco de verme ainda impenetrável apresentando-se sinalizado por dois imensos radiofaróis, a energia sendo extraída de Musphelheim que brilhava, inexaurível e amarela, seis minutos-luz para lá do gigantesco planeta gasoso, fonte inesgotável de lendas, terra dos gigantes que na antiguidade haviam atemorizado as criancinhas pelas histórias contadas nas noites escuras. Antes de se concentrar na miríade de ponteiros e luzes, pejando o painel do carro espacial, Wotan lançou um derradeiro olhar ao seu mundo natal, o negrume do espaço descontinuado pelo azul da enorme lua a que chamavam de Asgard, berço e morada dos seus. De súbito, a viagem ocorreu, o alinhamento planetário num sistema distante somando a gravitação até que o atalho se desfechasse, o tempo e o espaço desfazendo-se numa singularidade, os parsecs diluindo-se num grânulo sem grandeza aparente, a Terra aparecendo diante de si, tão azul e bela quanto sua por acolhimento.

    A noite descera, havia pouco. A Lua, cheia de fulgor, emitia uma claridade fantasmagórica sobre os montes e os vales onde as sombras se escondiam, a povoação outrora resplendorosa aninhando-se no sopé da montanha onde a fortaleza se arruinara. Segurava a sua lança como um bordão, a face sombreada pelo chapéu de aba larga que lhe não escondia o cabelo cinzento nem o brilho do olhar. Abriu a porta num rompante. Os rostos denotaram primeiro surpresa, depois uma profunda reverência. A sua voz soou, cavada e penetrante, quando quis saber se Freyja se encontrava ali, na que fora a casa de Vanir. Disseram-lhe que não; ofereceram-lhe guarida… Wotan, o Viandante, também chamado de Odin, estava de novo entre os mortais e assim permaneceu por mais duas noites e dois dias, esperando em vão por aquela que talvez tivesse finalmente encontrado Odur… Teve de partir, o alinhamento prestes a desfazer-se contando-lhe os minutos. Um mensageiro chegou, o cavalo esgotado pela urgência, um papiro dizendo-lhe que Freyja estaria no Egipto, quando uma nova conjunção se concretizasse…”

  

V.A.D. 

 
 

V.A.D. e Sophia em Antiquitera

Imagem: Jardim

  

  

“Shows me colours when there's none to see 
Gives me hope when I can't believe 
That for the first time 
I feel love”
 
 
música:
The first time – U2

(http://youtube.com/watch?v=ZW4ouYg89HA) 

 

 

 



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Quarta-feira, 2 de Abril de 2008
Antiquitera (XII)

 
     “Por um breve segundo, ecoaram as memórias dum plano antigo que antevira a separação. Ele afastara-se, após haver instalado o par de ponteiros da face inferior e o último trio de engrenagens de triangulares dentes de bronze. Agora, uma gota abatia-se sobre a superfície lisa da água, preenchendo a uma cadência de insuperável precisão o silêncio nervoso que, qual ave agoirenta, pairava sobre nós desde o despertar, já tarde adentro. A cada impacto espalhavam-se novas gotículas pelo recipiente de cobre da clepsidra sobre a qual Hiparco se debruçava, ausente, e a cada instante de intervalo eu sofria com a inquietude dos seus gestos, conservando ainda os dedos sobre o mostrador delineado a pigmento negro no cedro, onde os inertes ponteiros em breve principiariam a sua trajectória de circular perfeição. Simulara, no mecanismo, a posição observada, duas noites atrás, dos planetas cuja trajectória através do firmamento iria ser antecipada, a chave sextavada encaixando na perfeição no veio principal, cuidadosamente facetado. Rodei-a, perdendo a conta das voltas, até os ponteiros encontrarem o alinhamento. O calendário marcava trezentos e vinte e quatro. Esses eram os dias que me separavam do possível fim do exílio.
      Outra gota condensou num momento ímpar aquele ápice em que tomei a decisão. Sem esperar pela seguinte, interrompi o trautear na madeira e levei-o para o jardim de estilo grego. Aí, o timbre da minha voz dispersava-se em explicações sobre a sua intrincada prenda, os seus olhos acompanhando cada oscilação do disco de oito polegadas de diâmetro, a mudez sendo mantida nos seus lábios. Eu adverti-o que só poderia servir-se de parte do delicado instrumento quando o sol desse lugar ao firmamento nocturno e pedi-lhe para suspender o astrolábio pelo anel de metal, na face oposta girei a alidade oca até que um único feixe de luz se projectasse na palma aberta da minha mão e tentei precisar o grau que era indicado na escala. Ele deixou descair o braço ao longo do corpo e desfez o alinhamento do aparelho, fitou-me com uma frieza contundente e disse-me que não suportaria mais os meus segredos, ocultações e enganos. Talvez fosse a hora marcada para a sua partida; contudo, ele mantinha-me presa pelo olhar que veementemente suplicava que não a permitisse. Segurei-lhe os pulsos e sentámo-nos num banco sob a sombra duma árvore, respirei fundo e encostámo-nos para deixar fluir toda a minha história, gota a gota…”

 

                 by Sophia

  

 V.A.D. e Sophia em Antiquitera
Imagem: Mecanismo (III) (
http://eumesmo.nireblog.com/blogs/eumesmo/files/calcuastro2.jpg)

 

 

“Talk to me softly
There's something in your eyes
Don't hang your head in sorrow
(…)
Give me a whisper and give me a sigh”

 

Música: Don’t cry – Guns’n’roses

(http://youtube.com/watch?v=_Ns59Bmqpms)
 

 



publicado por **** às 15:00
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