Quinta-feira, 20 de Março de 2008
Antiquitera (IV)

  

" Mais do que a cascata dourada que me caía sobre os ombros e que a candura da pele que os cobria, nesta “Pérola do Mediterrâneo” onde as tranças de reflexos lápis-lazúli das sacerdotisas do templo se enleavam nas alvas madeixas de frágil seda dos anciãos ou na tisnada musculatura dos escravos de negra carapinha, o que mais fazia virar os rostos de mil etnias em minha direcção era a cadência do andar. Ao lado daquele homem, quase um estranho, serpenteava em movimentos precisos de dançarina por entre a multidão, num passo mais decidido, célere, mais largo do que o apropriado uma dama de bem. Ao ritmo do fluir das pregas da túnica cuja bainha ia flutuando livremente, subindo um pouco além da decência, fluíam as conversas plenas de trivialidades, suplantando a necessidade do mais rigoroso secretismo, a suprema urgência dos assuntos de que fora feita guardiã. A ele contei-lhe que viera de Rhodes, cidade cuja grandeza havia decaído há séculos com o Colosso, tendo trocado há mais anos do que me lembrava o mar Báltico pelo Mediterrâneo. A mim confiou-me qual o trabalho que lhe consumia as horas por entre as numerosas estantes também mandadas erguer por Ptolomeu, sem saber que o havia seguido de perto por sete sóis. Preparava-me para virar a astral, quando me segurou veementemente um pulso, misturando-se o toque frio da prata e o rugoso do âmbar da pulseira com o quente dos seus dedos macios de escriba. Disse-me que o ocaso passara, prometeu-me que iríamos à Biblioteca na aurora seguinte, convidou-me para partilhar com ele a refeição naquela noite de lua nova. Consenti e virei então as costas à mais brilhante estrela que já subira ao firmamento egípcio, Souped, a chegada de Ísis anunciada por uma resplandecência que era contudo insuficiente para distinguir tom de cabelo ou pele e muito menos para iluminar os mistérios enrolados na vareta de marfim que transportava...."

  

      By Sophia 

  

V.A.D. e Sophia em Antiquitera

Imagem: Freyja e Hiparco   (  http://fotos.sapo.pt/yw0ulyONuLNHOMmJ3BH9/)

   

 

“Strangers in the night, two lonely people
We were strangers in the night
Up to the moment
When we said our first hello.”

   

música: Strangers in the night – Frank Sinatra   (http://youtube.com/watch?v=LAEQzVv_Itc)  



publicado por **** às 15:00
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1 comentário:
De V.A.D. a 22 de Março de 2008 às 02:09
Hummm... Creio que Hiparco se deixou seduzir pelo andar serpenteante de Freyja... A própria história teve de tomar um rumo que não estava inicialmente planeado... :-)
Amiga, excelente narrativa. Não vou dizer que a tua escrita me surpreende, pois já me habituaste a uma extraordinária qualidade...!

Um beijo e um enormeeeeeeeeeee sorriso... :-)


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