Pego na minha bíblia de versos e, enquanto acaricio a capa preta, encontro aquele poema marcado a fita de cetim.
Nas páginas não se notam nódoas nem lágrimas... são apenas gatafunhos a carvão. E em cada palavra dita, em cada sílaba sentida, sugo cada termo, miro o meu reflexo e confronto cada sentido... porque "sentir... sinta quem lê!"
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada;
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém
Essas coisas todas
Essas e o que faz falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada.
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o impossível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais,
Se puder ser,
Ou então se não puder ser.
E o resultado?
(...)
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, Íssimo, Íssimo
Cansaço
Álvaro de Campos
Cansaço de ser. Um simples cansaço de existir, de pisar a terra. Um que ninguém sente... Nem fingindo. Um cansaço de aborrecimento. Um cansaço das pessoas... mas uma saudade. Uma saudade tão grande que chega a tornar cansaço os versos que fingi.
By Ana M.