Sexta-feira, 14 de Março de 2008
O momento do reencontro (1 de 2)

   

              Sempre, à primeira custa sempre. Avanço sobre areia e as ondas lambem-me os pés, por vezes mais sôfregas, sem pudor, outras mais pacientemente, com carinho, por vezes quentes, reconfortantes, outras frias, quase desencorajantes, subindo rapidamente, invasoras, ou esperando lentamente que me entregue, desistente. Avanço e sinto-as pelos joelhos. Avanço e acariciam-me nas coxas. Avanço e abraçam-me a cintura. Sustenho a respiração, em parte pela diferença de temperatura, em parte pelo arrebatamento, em parte pela necessidade. Avanço, mergulho e cercam-me.

             Sempre, sofre-se o choque da mudança sempre. O som cessa, o mundo fica turvo perante os meus olhos, a água afaga-me a pele, a temperatura deixa de se sentir, o tempo pára. Dou um impulso  com o corpo, não tenho noção de quanto avanço. Dou um outro impulso, não tenho noção do que se passa à volta. Dou um novo impulso, não teria noção do tempo não fosse a crueldade da selecção natural me ter moldado para um outro elemento.

Sempre, resisto sempre. Agora infantilmente. Dou um bisonho impulso, já não avanço. Não preciso do canto das sereias, o encanto das ninfas ou o chamamento de Poseidon, basta o leve afago das águas para me prender. Dou um inábil impulso, toda a graciosidade se perde. A caixa torácica sobre e desce em vão. Dou um último impulso, este não só bisonho e inábil, mas indesejado, leva-me para fora. Quebra-se a vontade, quebra-se o encanto, quebra-se o coração. No meio da água talvez fique uma lágrima perdida, podendo chamar meu a um pouco do sal do mar.

(...)

                                       By Sophia

 

 

"allora sì che udir potrei

il mare calmo della sera.

nel mio silenzio"

 

música: Il mare calmo della sera - Andrea Bocelli

   http://youtube.com/watch?v=oW_ax3DmPlY



publicado por **** às 12:44
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De Ana M. a 14 de Março de 2008 às 18:25
Não sei se lhe deva chamar tendência, ou quiçá necessidade, estes teus mergulhos, um afogar de alma. Pareces meio perdida, entre caminhos a mais.

A sensação de evasão pode ser, sem dúvida, reconfortante a curto prazo. Devolve-nos um (falso) sentido de segurança e de tempo (que não temos).

O alheamento do mundo que a água nos traz quando nos rodeia sabe-nos bem... Mas a vida, isso sim, faz-me bem!

bj*


De Sophia (do Flip Side) a 15 de Março de 2008 às 11:46
"se lhe deva chamar tendência, ou quiçá necessidade" - amiga, também não sei realmente o que seria mais adequado chamar. Um "afogar de alma" num afagar pelo qual o corpo anseia, num abraço que a água me oferece. Perdida? Talvez...

Muitas coisas nos podem dar um sentido de tempo e de segurança, e neste momento, embora falso, é nestes mergulhos que o encontro. Mesmo que não o consiga prolongar.

"...a vida, isso sim, faz-me bem!" - é verdade, essas tais coisas da vida fazem bem e sabem-no também, mas quando não abundam este alheamento conseguido num mergulho, texto, espectaculo ou música vai iludindo a mente.

Beijos


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